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(cito)
Observador:
“…. Decidirmos por essa geração é assumirmos que sabemos
mais do que ela. Não sabemos. Nem vivemos ainda o suficiente para decidir que
riscos correr, qual a hierarquia das necessidades quando a certeza da
proximidade da morte já faz parte do dia-a-dia…” *
Obrigado, Sofia, por ter escrito de forma tão clara. E por
ter tido a coragem de pôr o dedo na ferida.
Os “idosos com mais de 70 anos”, como são agora chamados …
Primeiro, não se veem como idosos.
Segundo, não são idiotas.
Terceiro, em muito sabem mais do que os mais novos.
Quarto, querem gozar a vida como todos.
E, sobretudo, têm como todos o direito de escolher.
Sempre que leio sobre as intenções de encarcerar ou isolar
os mais velhos arrepio-me. Com a imensidão da prepotência e do disparate de
quem se atreve a pensar que tem o direito de decidir sobre as escolhas de quem
já viveu o suficiente para saber que todas as opções têm preços, que escolhas
têm de ser feitas e riscos tomados, que geralmente não podemos comer o bolo e
ficar com ele na mão…
Quem tem mais de 70 anos …
Já viveu guerras, já suplantou crises.
Já viveu com o FMI e com a Troika.
Já foi governado por fascistas e por comunistas.
Já viu família e amigos próximos morrer.
Já esteve doente e por vezes já viu a morte por perto.
Já casou… e também já talvez se divorciou.
Já teve filhos e netos, sobrinhos e sobrinhos netos, filhos
de amigos que são como filhos.
Já riu e já chorou.
Já foi delirantemente feliz e já esteve desesperadamente
triste.
Já trabalhou por gosto e já suportou empregos de que não
gostava.
Já viveu …
E, sobretudo, já fez escolhas e já aprendeu com as escolhas
menos certas!
Querem agora privar estas pessoas do direito de escolher?
À sombra de uma proteção contra um risco para a saúde física
– que, fique claro, existe e não pode ser ignorado! – querem trancá-los em
casa?
Sozinhos?
Sem poder passear, fazer qualquer desporto/atividade física
de que gostam, estar com filhos, netos, amigos…?
Quem pensa que isto é solução… ou não conhece “idosos com
mais de 70 anos”, ou não gosta deles.
Porque este tipo de decisão é uma condenação a uma vida que
não lhes interessa!
Vejamos…
A todos nós custa o isolamento.
A todos nós dói a distância.
Mas todos sabemos que todos estamos assim, e fica mais fácil
aceitar e fazer o esforço.
Mas agora abrimos um bocadinho a janela, e já nos podemos
aproximar e ver fisicamente, desde que com os devidos cuidados, claro!
Imaginem que apenas isolamos os “idosos com mais de 70
anos”.
Imaginem que todos podem estar juntos – e que eles têm de
ficar a ver por Internet as reuniões dos outros.
Imaginem que a família toda se junta para festejar o
primeiro aniversário do mais recém chegado à família… e que se pede ao “idoso
com mais de 70 anos”, provavelmente um avô babado, para estar na festa por
Zoom…
Será que alguém acha que isto é possível? Dá para sentir a
imensidão da tristeza que vai causar?
Explicar os riscos para que a tomada de decisão seja
consciente.
Dar os meios para que a proteção seja tão eficaz quanto
possível.
Insistir, sempre, para que se protejam.
Não deixar que se esqueçam que o bicho está entre nós.
Ajudar a que as regras sejam cumpridas sendo os primeiros a
cumpri-las.
Estar atento a sintomas e sinais de alerta.
Ter espaço para os receber se e quando precisarem de
cuidados médicos.
Isto sim, são medidas adequadas para proteger os “idosos com
mais de 70 anos”.
Há que garantir que todos conhecem os dados da equação para
que as decisões sejam tomadas com consciência, mas é obrigatório deixar a cada
um a opção do grau de risco que quer correr!
E, para quem tenha eventualmente já mais dificuldade em as
tomar, ajudar sem impor, ajudar pensando no que, de facto, é melhor para cada
um.
Será que não é legitimo preferir estar todos os dias feliz
sabendo que isto implica um risco, versus estar fechado à espera que o bicho
desapareça, sabe-se lá quando?
Por favor, pensem nisto.
Fechá-los por decreto … nunca!
*Sofia Madureira, Observador, 1 maio 2020
(fim de citação)